22 de jun. de 2013

Sem violência-a-a-a, sem violência-a-a-a. Mas se ela vier, será bem-vinda

O vandalismo e a pilhagem tornaram-se freqüentes nas manifestações. Seria um erro – e mais, desonestidade – generalizar. É visível a grande massa de pessoas de bem que participam dos protestos. Porém, também é um erro considerar que as manifestações não têm nada a ver com isso, pelo menos em parte. Vejamos. 

Tudo começou com um grupo paulistano desconhecido: o Movimento Passe Livre (MPL). Nos primeiros dias de manifestações, onde o grupelho marchava lado a lado com bandeiras desfraldadas do PSTU e do PCO pela Avenida Paulista, houve depredações, pichações e só não houve roubo porque comunista que se preza não leva vantagem pessoal. Para um grupo que se declara anticapitalista, devastar o centro financeiro da maior cidade do hemisfério sul é bastante significativo. Houve agressões a policiais e um deles quase foi linchado. Em meio a essas manifestações, diante da violência e das agressões, a polícia agiu. No terceiro dia de manifestação, a Tropa de Choque entrou em ação e a coisa azedou. Vários feridos de ambos os lados e de terceiros, entre eles cidadãos que não participavam do protesto e jornalistas. A polícia fez dezenas de prisões. Aqueles que pagavam fiança – com recursos próprios ou ajudados pelo MPL – saíam ostensivamente como heróis, sentindo-se e autodenominando-se, num anacronismo sem igual, presos políticos de um regime autoritário. Eram em sua maioria, membros do MPL e tinham, de fato, promovido pichações e depredações. O MPL não se posicionou contra a ação de seus correligionários, pelo contrário. Houve justificações para a violência. Algumas delas correram pelo Facebook. 

O confronto com a Tropa de Choque teve como resultado uma jornalista com o olho arrebentado por uma bala de borracha e a prisão arbitrária de um jornalista que carregava um frasco de vinagre. Foi o que bastou. Motivada pelo espírito de corpo, a mídia escolheu o lado a defender. Num maniqueísmo que é próprio da imprensa, a polícia era o bandido e os manifestantes eram os mocinhos da história. Foi então que o movimento cresceu, a par da agenda do MPL. Influenciados pela mídia que não contou a história toda, mas apenas apresentou um Estado repressivo diante de manifestações justas e pacíficas, descontentes de todos os tipos agregaram-se ao movimento, cada um defendendo uma causa. Estes fazem parte da massa que citei no início. São pessoas pacíficas, que, apesar de não saberem exatamente o porquê estão insatisfeitas e nem quem é o culpado por isso, sabem que o Brasil não é este mar de rosas que o governo do PT quer vender. 

E os vândalos? No princípio, eram parte integrante do movimento. Não se distinguiam do restante e nem havia o esforço midiático ou da própria liderança do movimento em diferenciá-los. A partir da reunião com o governo do estado de São Paulo, onde foi concertado que ações violentas da polícia e do movimento (até então, o movimento era simplesmente o MPL) eram prejudiciais para a imagem de todos, o movimento passou a fazer o discurso da não-violência. Com 65 mil pessoas na rua, a grande maioria não alinhada com as propostas do MPL (o lema: “Não é só por 20 centavos” surgiu daquelas e não do MPL) a violência passou a ser mal vista e estrategicamente imprópria para a liderança do movimento.

Mas os atos de vandalismo, depredações de bens públicos e privados e os saques continuaram e aumentaram. Os “vândalos” são um mal para o movimento? De certa forma, não. Lembremos que os membros das primeiras manifestações carregavam bandeiras com a estampa de Che Guevara e não de São Francisco de Assis ou Mahatma Gandhi. A violência faz parte do jogo. Amedronta as autoridades e a população se vê acuada. Cria um clima de insegurança e instabilidade dos governos. É uma estratégia revolucionária. Assim, dois tipos de pessoas acabam servindo à causa: os inocentes úteis que involuntariamente apoiam propostas que não são as deles e os vândalos, seja eles quem for, que botam o terror. 

São infiltrados? Sim e não. Não, quando se vê que na origem o vandalismo faz parte da tática do movimento. Sim, quando por infiltrado entende-se que há bandidos oportunistas que aproveitam o rebuliço para cometerem crimes, principalmente os saques. Mas é sempre de se desconfiar. O MST sempre usou o argumento dos “infiltrados” para esquivar-se das ações criminosas. E o espírito que move o MST no campo, move estes grupos (como o MPL) nas cidades. E aí entramos em outro ponto. 

O que inspira o movimento, em sua origem, é um espírito marxista revolucionário. E como sabemos não se faz revolução atirando bexigas d’água. Carrega em si uma motivação violenta intrínseca. Valem-lhes o princípio maquiavélico onde os fins justificam os meios. Como consequência aparecem os vândalos e criminosos “infiltrados” porque o clima do movimento lhes atrai. Comparemos com as manifestações de religiosos que aconteceram no início do mês de junho em Brasília. Foram 70 mil pessoas reunidas na Esplanada dos Ministérios, em dois dias de manifestações, sem um único incidente violento, sem depredações de prédios públicos, sem agressões, sem precisar de reforço policial. Por quê? Onde estavam os pretensos infiltrados que poderiam aproveitar-se da multidão. Não apareceram, porque o clima do movimento não propiciava as suas ações. 

E o que são manifestações pacíficas? Quando não há quebra-pau? Nem sempre. Ocupar ruas e rodovias retirando o direito de ir e vir que têm os outros cidadãos que não se manifestam, não pode ser considerada uma maneira justa de se manifestar. Gerar prejuízo aos lojistas que com medo precisam fechar o comércio também não. Prejudicar pessoas que precisam tomar um avião ou dificultar a locomoção de ambulâncias, idem. Manifestações podem, na santa paz, prejudicar muita gente “inocente”. Tirar o corpo fora é uma boa estratégia para não se responsabilizar diante da violência e não queimar o filme diante da opinião pública. Desde Pôncio Pilatos... 


20 de jun. de 2013

MPL não me representa

Não adianta. Apesar de tantos louvores midiáticos e de comentaristas de internet, estas manifestações não me conquistaram. Explico o porquê. 

Primeiro: Tudo começa neste Movimento Passe Livre. Não gosto de suas propostas nem de seu modus operandi. Para quem não conhece, basta entrar no site da entidade. Lembremos que no primeiro dia de protesto, com umas mil pessoas, eles devastaram a av. Paulista. Será que já tinha os "infiltrados" desde aquela hora? Na quinta-feira, diante da bandalheira generalizada, a polícia desceu o sarrafo. Manifestantes e o governo de SP perceberam que o confronto era ruim para todos os lados. Segunda-feira se reuniram e entraram em acordo sobre como o movimento e a polícia se comportariam. A partir deste momento - e só deste - o MPL tomou ares de boa moça. 

Segundo: As manifestações são irracionais. Protesta-se sem apresentar propostas. Querem que o valor da passagem de ônibus não suba, mas, a despeito dos argumentos apresentados para o aumento, não indicam como manter os preços diante da alta da inflação e do aumento dos combustíveis neste ano. Sem contra-argumentos, não há negociação. Os protestos serão ad eternum. 

Terceiro: Graças a Deus, vivemos numa democracia. Não é ideal, mas é uma democracia. Numa democracia, há leis e elas devem ser obedecidas. Se políticos ou a polícia não obedecem a lei, isto não justifica a desobediência. Protestos populares fazem parte da democracia. Destruição de patrimônio público ou privado, não. Tentativa de linchamento de policiais, também não. Houve manifestantes que justificaram os atos de vandalismo demagogicamente, alegando que o número de homicídio, a precariedade dos hospitais e afins é que eram atos de vandalismo. Como diria Sócrates (o filósofo, não o jogador), um erro não justifica outro. Isto tudo aconteceu antes do MPL se tornar a donzela de hoje. 

Quarto: Com o afã de mostrar força, o MPL fez convocação geral. Isto atraiu descontentes e baderneiros de todos os matizes. Resultado: perdeu o controle. Há muita gente boa que aderiu ao movimento pacificamente. Porém, junto, vieram os arruaceiros. Nenhum ato de violência é justificável. Depredar patrimônio público, invadir sedes de governo, atacar a polícia e a imprensa, saquear lojas e incendiar carros são coisa de bandido. 

Quinto: Toda esta gente protesta contra tudo e contra nada. Não há foco. Não há objetivo, pelo contrário, há bastante subjetivismo. É um monte de descontentes, mas descontentes com o quê? Quem são os culpados? Um protesta contra a violência. Tem alguém a favor? Outro, contra a corrupção, mas não se sabe se é contra o ato ou contra a impunidade. É uma mistura de otimismo e ingenuidade que, no fim das contas, leva a nada. 

Sexto: Vocês que leem o que eu posto - se é que leem... - já devem ter percebido o quanto repudio o PT e a década que está no governo. E não só. Repudio tudo que cheire esquerdismo, o que me parece óbvio devido às tragédias que o marxismo/ comunismo/socialismo provocaram no século passado. O MPL aparenta ser apartidário, mas não ideologicamente neutro. Palavras de ordem do tipo: "Fora, Dilma" ou "Fora, Alckmin", não cabem no regime democrático. Governantes são destituídos nas urnas. Mesmo achando que o governo Dilma, assim como o Lula, é uma merda, não há nenhum motivo para apoiar um impeachment. Isso não é democracia, é golpismo.


14 de jun. de 2013

Não é o subdesenvolvimento que é um escândalo, o desenvolvimento é que é um milagre

Ora, o fosso que separa os países “desenvolvidos” dos países pudicamente chamados “em vias de desenvolvimento” foi cavado durante um período ínfimo no que se refere à duração da existência humana. No momento da irrupção dos navegadores ocidentais, as mais primitivas das povoações da América do Sul ou da África Equatorial haviam chegado ao nível das populações da Europa dois mil anos antes de nossa era; os chineses tinham atingido um patamar comparável ao da França de Luis XIV. As defasagens podem ser facilmente explicadas por circunstâncias geográficas ou históricas, que estimularam uns e tornaram outros mais lentos, provocaram o isolamento destes, a irritação daqueles. Trinta e cinco séculos de diferença com relação a três milhões e meio de anos: o milionésimo da existência do homem. Nada que possa justificar o sentimento de uma superioridade racial do homem branco sobre o homem de cor.

A Contradição Colonial


A essa fé quase messiânica do Ocidente em si mesmo coloca-o em plena contradição. Posiciona-se como adversário dos seus próprios princípios universalistas compartilhados por toda a Europa, e que a revolução Francesa cristalizou na França. Nega a liberdade, a igualdade e a fraternidade às populações que submete à sua dominação. Essa contradição é tao profunda, que o Ocidente acabou por odiar a si próprio por ter sido colonizador. No momento em que, ao descolonizar, deveria sentir-se novamente em harmonia com seu gênio, ele se flagelou.

Por seu lado, como poderiam os países dominados não se chocarem diante da brutalidade com a qual o Ocidente devastara suas tradições? São orgulhosos, e com razão: um povo que não tem orgulho de si mesmo perde o prazer de viver. Principalmente se for como na Índia ou na China, o centro de uma civilização antiga e refinada. A revolta dos povos do Terceiro Mundo contra o Ocidente era uma reação sadia: a rejeição de uma dominação estrangeira que negara sua identidade. Para qualquer povo que tenha os meios de formar uma nação, a independência não tem preço. Mas em virtude de a necessidade de independência ter suas raízes em profundezas passionais, a descolonização provocou uma explosão de ideias falsas. 

Os marxistas ou “marxizantes” conseguiram convencer não apenas o Mundo Socialista e o Terceiro Mundo, que não queriam outra coisa senão acreditar neles, como também a intelligentsia do Ocidente: o desenvolvimento dos países colonizadores e o subdesenvolvimento dos colonizados seriam o resultado da pilhagem dos segundos pelos primeiros. Esquece-se que a miséria do Terceiro Mundo preexiste à colonização – e sobreviveu a ela, ou, mais frequentemente, renasce depois dela. O subdesenvolvimento, que  deveríamos chamar de não-desenvolvimento, é um fenômeno permanente e universal. 

Desde que o homem apareceu na Terra, a ignorância, as epidemias, a sujeição – escravidão, submissão das mulheres, dependência de um grupo em reação da outro -, a subnutrição, o medo da doença, da fome e da guerra, são o lote comum da espécie. Não é o subdesenvolvimento que é um escândalo, o desenvolvimento é que é um milagre – e muito recente. 

[...]

Naturalmente o irrompimento de uma civilização avançada desestabilizou e finalmente destruiu, do interior, as sociedades de costumes. Mas não se deve idealizá-la retrospectivamente. Na China, tanto quanto nas sociedades primitivas da África, da Ásia, da América ou da Oceania, terríveis flagelos precedera, a irrupção ocidental: a escassez, a lepra, a malária, a mortalidade infantil, a mutilação das mulheres, sem falar do canibalismo [...] nada disso é consecutivo, mas anterior à colonização. Tudo isso a colonização fez recuar. 

O colonizador não trouxe a miséria ao colonizado, mas uma submissão, insuportável e debilitante com o correr do tempo. Aqui reencontramos a contradição: essa submissão não era melhor meio de transmitir ideias que impulsionaram o Ocidente. Não era pela colonização que o Ocidente poderia introduzir sua “civilização” – mas pelo que fundamentava essa civilização: a liberdade e o intercâmbio. (Alain Peyrefitte, O império imóvel, ou o choque dos mundos)

Alain Peyrefitte. O império imóvel, ou o choque dos mundos, p. 588-590

11 de jun. de 2013

Manifesto Zoófilo

O amor interespécies acompanha o ser humano e os demais não-humanos ao longo da história. Não tem cabimento, em pleno século XXI, que a nossa sociedade seja pautada pela humanonormatividade e preconceitos religiosos. Não admitimos mais estarmos à margem da sociedade e carregarmos estes estigmas de tarados e doentes. A zooafetividade ainda consta no rol das doenças e é tratada como tal. Outras formas de amor também já figuraram na Classificação Internacional de Doenças e a evolução da sociedade fez com que fosse percebido este grande engano e hoje são plenamente aceitas. Isso não pode continuar. Não podemos mais ser encarados como anormais, como aberrações. Chega de preconceito!

Nós, zooafetivos, não queremos privilégios. Queremos os mesmos direitos de todos os seres humanos, sejam eles hetero ou homossexuais. Queremos ter reconhecido o direito fundamental de formarmos uma família com a espécie que bem desejarmos. E não é uma luta somente nossa. Nós, humanos, temos o dever de falar por nossos parceiros e parceiras que não tem voz. Eles dependem de nós para que nossos direitos – os nossos e os deles – sejam respeitados. Não podemos continuar na sombra. Lutamos pelo direito de demonstrar nosso afeto livre e publicamente e não mais em estábulos e pocilgas fétidas. Por que somente deficientes visuais podem entrar livremente em espaços públicos com seus cães-guia sem serem molestados por isso? Por que demonstra uma relação servil de um ser inferior servindo seu senhor humano? Nenhuma pessoa se abala diante de demonstrações de amizade entre humanos e não-humanos. Por que tanto preconceito com o amor? Que todo ato discriminatório e de intolerância seja punido!

Vivemos num Estado laico. Desta forma, não podemos ser pautados por preceitos religiosos. Líderes religiosos de todas as vertentes condenam com veemência as práticas zooafetivas, aumentando, assim, o preconceito e a intolerância. Na Bíblia, por exemplo, figuram condenações violentas contra a zooafetividade. Não podemos, em pleno século XXI, continuar seguindo as normas de um livro que foi escrito a três milênios. Antes da moral judaico-cristã se impor, a zooafetividade era encarada com naturalidade. Os mitos gregos estão recheados de histórias de amor entre humanos e não-humanos. Os povos antigos, de forma geral, não condenavam estas práticas, ao contrário, para muitos deles era uma forma de contato com o divino. Tudo isso terminou com o advento da moral judaico-cristã com sua visão limitada e sua vocação castradora. Casamentos entre humanos e não-humanos ainda resistem bravamente em algumas tribos africanas e na Índia apesar das pressões imperialistas que conseguiram criminalizá-los. Pitágoras e Platão defendiam a metempsicose e a transmigração das almas, ou seja, que os espíritos podem reencarnar-se tanto em humanos como em não-humanos. Esta tese está presente em várias religiões do mundo, principalmente nas orientais, não contaminadas pelo cristianismo. O amor é um estado da alma, portanto pouco importa o invólucro, se o corpo que a carrega é de um homem ou de um jegue. Não pode haver limitações e impedimentos para o encontro de almas gêmeas.

Hoje, há uma conscientização crescente dos direitos dos animais. Estes nosso irmãos não podem continuar oprimidos por uma classe que se julga superior, nem explorados em nome do capital. As experiências cruéis em não-humanos continuam nos laboratórios em nome do bem-estar humano. A pecuária ostensiva agride o meio ambiente com a substituição da mata nativa por pastagens e sabemos o quanto grandes rebanhos contribuem para o aquecimento global através dos gases que expelem. Os grandes pecuaristas incentivam o consumo de carne – carne de nossos irmãos! – exclusivamente pela sede do lucro, já que o ser humano chegou num estágio evolutivo onde a ingestão de carne se tornou desnecessária. Outras práticas cruéis de diversão ainda são amplamente aceitas pela sociedade: os rodeios e touradas, por exemplo. Com a argumentação que tais eventos fazem parte da cultura dos povos, geram empregos e movimentam a economia, seres não-humanos são aviltados em público, tratados como seres inferiores em espetáculos sangrentos para o deleite da massa. Diante de todos estes fatos, concluímos que o preconceito contra a zooafetividade segue a lógica de mercado neoliberal. A equiparação de direitos levaria a perda de volumoso capital.

Os intolerantes e retrógrados objetam contra a zooafetividade evocando o Direito Natural. Mas a natureza está repleta de exemplos de relacionamentos interespécies. Encontramos vasto material na internet: cães e gatas (tão inimigos!), bodes e porcas e até chimpanzé e sapo, mostrando que a natureza nada limita quando se trata de relações interespécies, mas sim nos dá belo exemplo de tolerância e igualdade. Curioso notar que a hipocrisia impera em nossa sociedade, posto que muitos que condenam a zooafetividade são consumidores de filmes pornográficos que apresentam cenas de sexo entre humanos e não-humanos.

Segunda objeção: a prática zooafetiva seria fonte de doenças. Alguns chegam a afirmar que a AIDS foi resultado de relações sexuais entre humanos e não-humanos. O preconceito chega às raias da irracionalidade. O risco de se contrair uma doença em relações interespécies não é maior do que entre humanos. Além disso, hoje contamos com exames médicos preventivos e o uso do preservativo é amplamente incentivado pelo nosso movimento.

Uma terceira objeção diz respeito à impossibilidade de procriação. Apesar das tentativas na área da reprodução assistida onde cientistas soviéticos das décadas de 1920 e 1930 tentaram gerar híbridos de chimpanzés e humanos, filhos de seres humanos com seres não-humanos ainda não são uma realidade. Mas as relações zooafetivas não podem ser reduzidas à procriação. Isso sim seria animalesco. As relações entre humanos e não-humanos são baseadas no afeto. Além disso, os orfanatos e abrigos para animais estão lotados, à espera do amor de casais que são impossibilitados de terem filhos. Há alguns anos e de modo crescente não-humanos são tratados como filhos. Há inúmeros casos de testamentos onde o herdeiro é um ser não-humano. Os benefícios nas relações entre crianças e filhotes são reconhecidos. Mas é preciso mais. É preciso que sejamos reconhecidos por parte do Estado como família tendo a equiparação de direitos para que nossos parceiros não-humanos não sejam espoliados em seu patrimônio, principalmente por parentes humanos preconceituosos que não aceitam a relação.

Concluindo, é preciso derrubar os preconceitos. Toda forma de amor vale a pena. Graças à marginalização, o número de casos zooafetivos são completamente desconhecidos. Sabemos como é comum a iniciação sexual com cabritas e frangas nestes rincões. É uma prática que nada denigre os seres, sejam eles de qualquer espécie, pelo contrário: restaura o homem em seu estado natural, onde não há desigualdades e exploração; contribuem para a harmonia da natureza; colabora na construção de uma sociedade mais justa e solidária. O amor entre humanos e não-humanos sempre existiu, ainda que muitas vezes marcados pela hierarquia – um reflexo da sociedade patriarcal – onde o ser humano era tido por superior, mas tais diferenças estão diminuindo à medida que a sociedade evolui. Este amor precisa ser radicalizado e ter o direito de ser realizado plenamente, conforme a vontade das partes, rompendo, assim, tabus cujos marcos são a consciência e a razão. Mas sabemos que o amor tem razões que a própria razão desconhece.

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P.S.: Evidentemente, este é um texto satírico. Quando as relações sexuais são moralmente esvaziadas, pode-se defender qualquer espécie de relacionamento. Argumentos é que não faltam. 


4 de jun. de 2013

Angelina Jolie: o medo de viver

A divulgação da cirurgia de mastectomia realizada pela Angelina Jolie causou espanto. Rapidamente o caso ganhou seus defensores e seus opositores. O medo de vir a ter um câncer de mama fez com que, após um exame genético que constatou uma alta probabilidade de desenvolver a doença, a atriz tomasse essa atitude drástica. Sem entrar no mérito da questão, a atitude da atriz reflete algo inquietante da sociedade pós-moderna: o medo da vida. É comum e natural as pessoas terem medo da morte. Porém, viver virou um terror para a maioria das pessoas. A imprevisibilidade da vida faz com que as pessoas vivam em constante apreensão. Rodeados de inimigos reais ou imaginários, a vida torna-se um peso insuportável e há um medo generalizado do futuro. As pessoas têm um medo paranoico de envelhecer, de adoecer porque a felicidade está baseada em coisas passageiras: na saúde, na beleza, na força e no vigor físicos, no prazer, nas pessoas que amamos. O fato é que apesar de tantos e maravilhosos avanços tecnológicos e da medicina que nos proporcionam maior comodidade, segurança e saúde, o sofrimento é algo bastante presente nas nossas vidas. Ainda nos confrontamos com doenças terríveis e incuráveis, a fome, os desastres naturais e, apesar dos diversos meios de adiá-la, a morte de quem amamos ocorre com certa regularidade. A verdade é que o sofrimento é inevitável. 

Podemos contorná-lo, evitá-lo na medida de nossas possibilidades, mas, cedo ou tarde, nos deparamos com ele. O sofrimento sempre existiu e talvez tenha sido ainda maior em outras épocas. O que mudou, então, para que o medo do sofrimento seja maior em nossos dias? Vejamos. Interessante notar que o período da baixa Idade Média (entre os séculos XI e XIV) é marcado pela alegria. A despeito dos preconceituosos que pouco conhecem a Idade Média, medievalistas tais como Pernoud e Le Goff afirmam esta característica tão marcante em uma época em que a medicina apresentava pouquíssimos recursos e o ser humano estava à mercê das intempéries da natureza e de maior insegurança.

O que diferenciava o homem medieval do homem pós-moderno? A resposta é evidente: a fé. O homem medieval era, sobretudo e apesar de tudo, um cristão. Tinha em mente que "os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada". Mesmo sem entender, tinha certeza de que sua vida e a História estavam nas mãos da Providência Divina e que Deus, mesmo não sendo o autor do sofrimento humano, O permite para que deste sofrimento tire um bem maior. Seu exemplo está na Cruz. É o sofrimento do Filho de Deus, o maior dos sofrimentos, que lhe garantiu a salvação. Foi deste crime terrível que Deus tirou a redenção do mundo. Este era o motivo de sua alegria em meio a tantas dificuldades. Mas o cristão não é uma espécie extinta, que viveu sobre a terra em outros tempos, como os dinossauros. Eles existem, nós existimos. 

Para o cristão, o sofrimento - que continua sendo um mal que deve ser superado dentro dos limites da ética - torna-se em Cristo, caminho de redenção. Todo e qualquer sofrimento unido à cruz de Cristo misteriosamente contribui para a remissão própria e do mundo inteiro. São Paulo nos dá mostra disso quando afirma que "completa em sua carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, por seu corpo que é a Igreja ". Para o cristão, diferentemente do homem de mentalidade pós-moderna. o sofrimento (antes, todos os atos humanos) deve ser oferecido a Deus. Seu sofrimento não é em vão. O cristão crê como o apóstolo São Paulo quando afirma "que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus". Não deve procurar deliberadamente o sofrimento. Não é um masoquismo, longe disso. A realidade é que ninguém está inume ao sofrimento, mas nem todos conseguem (e isso é graça de Deus) encontrar sentido no sofrimento.

No auge do materialismo e do ateísmo, os filósofos do seculo XIX afirmavam que a vida era algo sem sentido e tornaram-se os profetas do nada. Seus amores, prazeres, sofrimentos, tudo acabariam em nada. Esta ideia-motor adentrou o século XX e ganhou ainda mais força após as desilusões provocadas pela Segunda Guerra, que colocou fim às teorias evolucionistas e progressistas do Iluminismo, também materialistas, mas que davam um sentido e um fim a vida e a História. Em decorrência deste medo do sofrimento é que entendemos os índices alarmantes de suicídio, de consumo de drogas e de remédios antidepressivos e calmantes, do alcoolismo apresentados no Ocidente nos últimos 150 anos. 

Impressiona saber que o medo da vida é mais forte do que o medo da morte. A vida só é considerada plena se for vivida num corpo perfeito, de preferência jovem e saudável. Assim, em primeiro lugar, surge a  ideia da eutanásia. O pavor da vida, ainda que com limitações, leva a considerar a morte provocada como um ato de caridade. Em seguida, o aborto e a eugenia também são apresentados como solução para o fim do sofrimento e surge a tentação de técnicas imorais para a cura de doenças, como são o uso de células-tronco embrionárias. 

Por fim, o sofrimento está presente na vida humana. É consequência do pecado e, apesar de todos os nossos esforços, estaremos sujeitos a ele até o fim dos tempos. É por isso que necessitamos da redenção conquistada por Cristo. Somente quando Seu Reino for implantado definitivamente sobre a terra é que o pecado e a morte serão destruídos e Ele "enxugará toda lágrima dos olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor". Porém, enquanto o Cristo Senhor não retorna, temos que decidir a maneira de como enfrentamos o sofrimento. Os que confiam em Deus sabem que todo sofrimento é passageiro e aproveitam todas as oportunidades para se aproximarem do Pai celeste. Sua felicidade está naquilo que não passa, no próprio Deus, fonte de alegria e de vida eterna. Não que o cristão não tema o sofrimento. Jesus mesmo apavorou-se a ponto de suar sangue quando, no Getsêmani, antecipadamente viu diante dos olhos os horrores da cruz. Mas o cristão sofre na paciência e naquela paz de Cristo, tão diferente da paz que o mundo dá. 

O cristão alegra-se na medida em que sabe que seu sofrimento, unido ao de Cristo, faz bem ao mundo. E não somente os males físicos, como as dores ou as doenças, mas também o sofrimento causado pelas contrariedades, pela tentação constantemente combatida, pelas renúncias, pelos atos de amor ao próximo e até, se for preciso, pelo martírio. Estas palavras podem soar como loucura - a loucura da cruz - numa sociedade hedonista e imediatista como a que vivemos e mesmo entre cristãos nestes tempos de heresias que pregam a prosperidade e a vida mansa como sinônimos de vida cristã. Confiemos em Deus. Que os exames genéticos (que não são condenáveis em si mesmos) não venham a substituir as cartomantes e adivinhos. Lembremos daquele velho ditado: "o futuro a Deus pertence" e que "a cada dia basta a sua preocupação". Deus está no controle de nossas vidas, mesmo quando não entendemos de imediato o que se passa e é um Pai amoroso que cuida de cada um de nós.