O amor interespécies acompanha o ser humano e os demais não-humanos ao longo da história. Não tem cabimento, em pleno século XXI, que a nossa sociedade seja pautada pela humanonormatividade e preconceitos religiosos. Não admitimos mais estarmos à margem da sociedade e carregarmos estes estigmas de tarados e doentes. A zooafetividade ainda consta no rol das doenças e é tratada como tal. Outras formas de amor também já figuraram na Classificação Internacional de Doenças e a evolução da sociedade fez com que fosse percebido este grande engano e hoje são plenamente aceitas. Isso não pode continuar. Não podemos mais ser encarados como anormais, como aberrações. Chega de preconceito!
Nós, zooafetivos, não queremos privilégios. Queremos os mesmos direitos de todos os seres humanos, sejam eles hetero ou homossexuais. Queremos ter reconhecido o direito fundamental de formarmos uma família com a espécie que bem desejarmos. E não é uma luta somente nossa. Nós, humanos, temos o dever de falar por nossos parceiros e parceiras que não tem voz. Eles dependem de nós para que nossos direitos – os nossos e os deles – sejam respeitados. Não podemos continuar na sombra. Lutamos pelo direito de demonstrar nosso afeto livre e publicamente e não mais em estábulos e pocilgas fétidas. Por que somente deficientes visuais podem entrar livremente em espaços públicos com seus cães-guia sem serem molestados por isso? Por que demonstra uma relação servil de um ser inferior servindo seu senhor humano? Nenhuma pessoa se abala diante de demonstrações de amizade entre humanos e não-humanos. Por que tanto preconceito com o amor? Que todo ato discriminatório e de intolerância seja punido!
Vivemos num Estado laico. Desta forma, não podemos ser pautados por preceitos religiosos. Líderes religiosos de todas as vertentes condenam com veemência as práticas zooafetivas, aumentando, assim, o preconceito e a intolerância. Na Bíblia, por exemplo, figuram condenações violentas contra a zooafetividade. Não podemos, em pleno século XXI, continuar seguindo as normas de um livro que foi escrito a três milênios. Antes da moral judaico-cristã se impor, a zooafetividade era encarada com naturalidade. Os mitos gregos estão recheados de histórias de amor entre humanos e não-humanos. Os povos antigos, de forma geral, não condenavam estas práticas, ao contrário, para muitos deles era uma forma de contato com o divino. Tudo isso terminou com o advento da moral judaico-cristã com sua visão limitada e sua vocação castradora. Casamentos entre humanos e não-humanos ainda resistem bravamente em algumas tribos africanas e na Índia apesar das pressões imperialistas que conseguiram criminalizá-los. Pitágoras e Platão defendiam a metempsicose e a transmigração das almas, ou seja, que os espíritos podem reencarnar-se tanto em humanos como em não-humanos. Esta tese está presente em várias religiões do mundo, principalmente nas orientais, não contaminadas pelo cristianismo. O amor é um estado da alma, portanto pouco importa o invólucro, se o corpo que a carrega é de um homem ou de um jegue. Não pode haver limitações e impedimentos para o encontro de almas gêmeas.
Hoje, há uma conscientização crescente dos direitos dos animais. Estes nosso irmãos não podem continuar oprimidos por uma classe que se julga superior, nem explorados em nome do capital. As experiências cruéis em não-humanos continuam nos laboratórios em nome do bem-estar humano. A pecuária ostensiva agride o meio ambiente com a substituição da mata nativa por pastagens e sabemos o quanto grandes rebanhos contribuem para o aquecimento global através dos gases que expelem. Os grandes pecuaristas incentivam o consumo de carne – carne de nossos irmãos! – exclusivamente pela sede do lucro, já que o ser humano chegou num estágio evolutivo onde a ingestão de carne se tornou desnecessária. Outras práticas cruéis de diversão ainda são amplamente aceitas pela sociedade: os rodeios e touradas, por exemplo. Com a argumentação que tais eventos fazem parte da cultura dos povos, geram empregos e movimentam a economia, seres não-humanos são aviltados em público, tratados como seres inferiores em espetáculos sangrentos para o deleite da massa. Diante de todos estes fatos, concluímos que o preconceito contra a zooafetividade segue a lógica de mercado neoliberal. A equiparação de direitos levaria a perda de volumoso capital.
Os intolerantes e retrógrados objetam contra a zooafetividade evocando o Direito Natural. Mas a natureza está repleta de exemplos de relacionamentos interespécies. Encontramos vasto material na internet: cães e gatas (tão inimigos!), bodes e porcas e até chimpanzé e sapo, mostrando que a natureza nada limita quando se trata de relações interespécies, mas sim nos dá belo exemplo de tolerância e igualdade. Curioso notar que a hipocrisia impera em nossa sociedade, posto que muitos que condenam a zooafetividade são consumidores de filmes pornográficos que apresentam cenas de sexo entre humanos e não-humanos.
Segunda objeção: a prática zooafetiva seria fonte de doenças. Alguns chegam a afirmar que a AIDS foi resultado de relações sexuais entre humanos e não-humanos. O preconceito chega às raias da irracionalidade. O risco de se contrair uma doença em relações interespécies não é maior do que entre humanos. Além disso, hoje contamos com exames médicos preventivos e o uso do preservativo é amplamente incentivado pelo nosso movimento.
Uma terceira objeção diz respeito à impossibilidade de procriação. Apesar das tentativas na área da reprodução assistida onde cientistas soviéticos das décadas de 1920 e 1930 tentaram gerar híbridos de chimpanzés e humanos, filhos de seres humanos com seres não-humanos ainda não são uma realidade. Mas as relações zooafetivas não podem ser reduzidas à procriação. Isso sim seria animalesco. As relações entre humanos e não-humanos são baseadas no afeto. Além disso, os orfanatos e abrigos para animais estão lotados, à espera do amor de casais que são impossibilitados de terem filhos. Há alguns anos e de modo crescente não-humanos são tratados como filhos. Há inúmeros casos de testamentos onde o herdeiro é um ser não-humano. Os benefícios nas relações entre crianças e filhotes são reconhecidos. Mas é preciso mais. É preciso que sejamos reconhecidos por parte do Estado como família tendo a equiparação de direitos para que nossos parceiros não-humanos não sejam espoliados em seu patrimônio, principalmente por parentes humanos preconceituosos que não aceitam a relação.
Concluindo, é preciso derrubar os preconceitos. Toda forma de amor vale a pena. Graças à marginalização, o número de casos zooafetivos são completamente desconhecidos. Sabemos como é comum a iniciação sexual com cabritas e frangas nestes rincões. É uma prática que nada denigre os seres, sejam eles de qualquer espécie, pelo contrário: restaura o homem em seu estado natural, onde não há desigualdades e exploração; contribuem para a harmonia da natureza; colabora na construção de uma sociedade mais justa e solidária. O amor entre humanos e não-humanos sempre existiu, ainda que muitas vezes marcados pela hierarquia – um reflexo da sociedade patriarcal – onde o ser humano era tido por superior, mas tais diferenças estão diminuindo à medida que a sociedade evolui. Este amor precisa ser radicalizado e ter o direito de ser realizado plenamente, conforme a vontade das partes, rompendo, assim, tabus cujos marcos são a consciência e a razão. Mas sabemos que o amor tem razões que a própria razão desconhece.
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P.S.: Evidentemente, este é um texto satírico. Quando as relações sexuais são moralmente esvaziadas, pode-se defender qualquer espécie de relacionamento. Argumentos é que não faltam.
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