11 de set. de 2014

O racismo sofrido pelo goleiro Aranha e a tentativa imbecil de transformar o caso numa disputa ideológica entre direita e esquerda

Venho observando as reações sobre o caso de racismo envolvendo o goleiro Aranha. Não dei palpite (bastante irrelevante e sem repercussão como tudo o que escrevo aqui) sobre o caso. Mas vamos lá. O racismo é algo terrível, injusto, incompreensível, irracional e anticristão. Não é um crime menor. Não é justificável. É desproporcional o tratamento dado pela população à moça que o xingou de macaco? Sim. Aqueles que a ofenderam profundamente descem ao mesmo nível dela. Num país regido por leis, não deve existir linchamentos físicos ou morais. É desmedida a punição ao Grêmio? Não sei. O que sei é que o racismo grassa no futebol sem vermos nenhuma ou quase nenhuma punição exemplar.

Há muitos preconceituosos de todos os matizes que usam o discurso contrário ao patrulhamento politicamente correto para disseminar seus preconceitos. Há quem esconda por trás de um "defensor da família", um homofóbico puro (sim, eles existem). Assim, muitos racistas enrustidos saíram da casinha usando o caso para denunciar a luta de classes insuflada na sociedade. Como anda costumeiro no Brasil nos últimos anos (graças, diga-se, a certa instigação governamental) todo assunto que surge no país, da merda à bomba atômica, transforma-se numa batalha da Guerra Fria. Abandonemos este maniqueísmo Direita-Esquerda. Há quem careça de uma leitura do pensador católico Gustavo Corção para entender algumas coisas.

Interessante é a tentativa de transformar a vítima em algoz. O Aranha disse em entrevista que perdoa a gaúcha, mas recusa a encontrar-se com ela para uma reconciliação em rede nacional. Negou fazer parte desta teatralização promovida pelo advogado da moça e disse que ela deve ser punida pela justiça. Fez bem. Mas bastou para ser acusado de insensível, de desalmado, de rancoroso. E mais uma vez, atos de racismo são tratados como crimes menores.

Vi coisas absurdas e imbecis, como um texto do Danilo Gentili compartilhado pela "direita". O texto do Danilo não é especificamente sobre o caso do Aranha, mas diz que a todo o momento ele é zoado por causa da cor da pele dele. Por ser muito branco é chamado de palmito o tempo todo e que ninguém se importa tanto quanto se ofendessem um negro pela cor da pele. Argumento fraco. Não cabe a comparação. Não foram os africanos que impuseram sobre si mesmos o "fardo do homem negro" e saíram colonizando e pondo sob sua tutela povos que consideravam inferiores; não foram os negros que criaram uma hierarquia racial pretensamente científica; não foram os negros que tentaram produzir uma raça pura; não foram os brancos que carregaram o estigma da escravidão contemporânea justificada por aspectos raciais.

A torcedora gremista sofre da Síndrome do Vanderney. Para quem não se lembra, Vanderney era um personagem do Casseta e Planeta que vivia na sauna gay abraçado com um peludão, mas afirmava categoricamente que não era gay. Ela afirma que não é racista, mas ofendeu um negro naquilo que mais dói, na dignidade humana. Não é coisa do calor do jogo. Ela e os demais envolvidos no caso devem ser punidos conforme o rigor da lei. Não cabe a bobagem de comparar o Zé Genoino fora da cadeia e a moça correndo o risco de ir para lá. Não é simples ofensa verbal. Não é um xingamento qualquer. Chamar um negro de macaco significa menosprezá-lo em sua humanidade, considerá-lo um passo atrás na linha evolutiva, um semi-humano. É racismo puro e clássico.



9 de set. de 2014

Porque Pastor Everaldo não tem apoio dos evangélicos

Há quem analise o peso dos evangélicos nas eleições somente sob a ótica do preconceito considerando-os simples vaquinhas de presépio, prontas para votar em quem o pastor indicar e as igrejas se teriam se tornado novos currais eleitorais. Pela própria essência das igrejas evangélicas as coisas são um pouco mais complexas. As igrejas funcionam bem quando pretendem eleger determinado candidato ao legislativo. Estes candidatos precisam de menor número de votos para se elegerem. Mas a indicação da igreja ou do pastor não é determinante. Basta ver a relação entre o número de fieis daquela igreja e dos votos obtidos pelo candidato. Além disso, votar em alguém cujo eleitor se sinta representado e comungue das mesmas ideias é parte natural do processo democrático. 

Voltemos à essência das igrejas evangélicas: temos este ano um candidato a presidente genuinamente evangélico: Pastor Everaldo. O candidato tem, segundo as pesquisas eleitorais, entre 1 e 3% das intenções de votos numa população composta por 25% de evangélicos. É desproporcional? Não, se entendermos que não existe uma Igreja Evangélica. O que existe são milhares de denominações evangélicas, algumas com diferenças profundas, inclusive políticas. Ao contrário do que certos analistas pensam, não há uma unidade evangélica que possa eleger um candidato a cargos de governador ou presidente. Seria preciso uma aliança política gigantesca - e inimaginável - entre as igrejas para que se conseguisse eleger alguém somente pelo mando de pastores.



2 de set. de 2014

Pequena História do Estado laico

Com as eleições, vem à tona o tema do Estado laico - este curral de gente - como se estivesse sendo ameaçado no Brasil. Mas o que está sendo ameaçada é a democracia por aqueles que não toleram ideias divergentes mesmo que elas tenham origem na religião, fonte de conceitos tão legítima como qualquer outra. É engraçado ver certos candidatos defenderem, ao mesmo tempo, o Estado laico e os terroristas do Hamas.

Em resumo, Estado laico é aquele que não tem religião oficial, não se imiscui em assuntos religiosos e possui esferas civis e religiosas distintamente separadas. Contudo, Estado laico não é sinônimo de tolerância religiosa, assim como Estado confessional não o é de intolerância. Os países escandinavos e a Grã-Bretanha, por exemplo, são Estados confessionais onde há liberdade religiosa e de culto. Por isso, o conceito de Estado laico não garante, por si só, a tolerância religiosa e a liberdade de culto, nem por parte das religiões, nem por parte do próprio Estado. Na verdade, o Estado laico só é possível quando as forças religiosas e não-religiosas se equilibram e se anulam e não podem impor-se uma sobre as outras.

A principal característica do Estado laico é a separação entre os poderes civis e religiosos. Esta separação, historicamente, foi uma conquista da Igreja católica. O Estado laico, como o conhecemos hoje, está na base das ideias liberais e teve duas concepções: a dos Pais fundadores dos EUA e a dos jacobinos franceses. A primeira preconiza a neutralidade do Estado diante da religião, garantindo a liberdade religiosa; a segunda, pretende eliminar, restringir e/ou controlar as práticas religiosas. 

A França tornou-se um Estado laico após a Revolução de 1789. Mas, ao contrário dos EUA - principalmente pelas diferenças marcantes da evolução histórica da religião e de suas interações sociais e políticas nos dois países -, o Estado procurou limitar, controlar e banir a religião, sobretudo o catolicismo. Com a Constituição Civil do Clero, procurou-se criar uma igreja estatal e transformar os sacerdotes em funcionários do governo. Aboliu-se as ordens religiosas sob o argumento de atentarem contra a liberdade individual. A religião era expulsa dos espaços públicos. A minoria aderiu. Quem não aderiu acabou no exílio ou na guilhotina. O modelo jacobino de Estado laico espalhou-se pela Europa e América, tendo como agente propagador as lojas maçônicas. 

A medida que as revoluções liberais saíam vencedoras nos países do Ocidente, o Estado se laicizava e tomava a França revolucionária por modelo. Assim aconteceu na Itália unificada sob Vitorio Emanuel II, nas repúblicas portuguesa e espanhola (sobretudo na Segunda República) e em alguns países da América Latina, com especial violência no México após a revolução de 1917. O Estado, então, passava a controlar a religião através de agentes públicos, limitando o número de membros do clero, eliminando sinais e celebrações religiosas em espaços públicos, proibindo o uso dos trajes eclesiásticos, abolindo o domingo e feriados religiosos. O Estado laico sadio e tolerável como vemos hoje na Europa e na América é fruto da resistência católica. Não aceitando submeter-se ao Estado, lutando pela sua liberdade e seus direitos - em alguns casos, de arma em punho, como fizeram os cristeros no México - e usando as vias diplomáticas e políticas, os católicos conseguiram colocar os Estados laicos em seus devidos lugares e garantir liberdade religiosa e de culto para todos, inclusive para aqueles que colaboraram com a tentativa estatal de eliminar a Igreja católica ou nada fizeram, esperando a hora de avançar sobre os despojos católicos. Com o advento da República, o Brasil adotou o modelo norte-americano de Estado laico. Quando vemos ferrenhas defesas do Estado laico por parte de certos segmentos político-ideológicos, na verdade, o que defendem é a implantação do modelo jacobino.

Por trás da defesa do Estado laico se esconde, muitas vezes, a intenção de se implantar o ateísmo de Estado. Um Estado ateu abdica de sua neutralidade em assuntos religiosos e, por isso, deixa de ser laico. Passa a privilegiar o ateísmo promovendo-o através da propaganda e da educação estatais. Adota métodos coercitivos e violentos na erradicação de qualquer religião; proíbe as práticas religiosas, mesmo as privadas; estatiza-se templos, escolas e universidade confessionais; persegue-se líderes e fieis religiosos; atenta contra a liberdade de expressão e de consciência; enfim, a prática religiosa passa a ser um crime. Muitos Estados comunistas, como a Albânia, Coreia do Norte e Cuba, adotaram o ateísmo de Estado. Porém, mesmo naqueles Estados comunistas que não o adotaram oficialmente (como a URSS, por exemplo), pela própria natureza antirreligiosa e ateia do marxismo, promoveram o ateísmo e perseguiram implacavelmente a religião. Não por acaso o século XX foi o século dos mártires e milhões de pessoas foram mortas exclusivamente por causa da fé que professavam. Portanto, precisamos dar atenção às discussões sobre o Estado laico, principalmente nas campanhas eleitorais, e discernirmos se a defesa é de uma laicidade sadia ou há um ódio camuflado pela religião que pode transformar-se em perseguição ou limitação da liberdade religiosa.