2 de set. de 2014

Pequena História do Estado laico

Com as eleições, vem à tona o tema do Estado laico - este curral de gente - como se estivesse sendo ameaçado no Brasil. Mas o que está sendo ameaçada é a democracia por aqueles que não toleram ideias divergentes mesmo que elas tenham origem na religião, fonte de conceitos tão legítima como qualquer outra. É engraçado ver certos candidatos defenderem, ao mesmo tempo, o Estado laico e os terroristas do Hamas.

Em resumo, Estado laico é aquele que não tem religião oficial, não se imiscui em assuntos religiosos e possui esferas civis e religiosas distintamente separadas. Contudo, Estado laico não é sinônimo de tolerância religiosa, assim como Estado confessional não o é de intolerância. Os países escandinavos e a Grã-Bretanha, por exemplo, são Estados confessionais onde há liberdade religiosa e de culto. Por isso, o conceito de Estado laico não garante, por si só, a tolerância religiosa e a liberdade de culto, nem por parte das religiões, nem por parte do próprio Estado. Na verdade, o Estado laico só é possível quando as forças religiosas e não-religiosas se equilibram e se anulam e não podem impor-se uma sobre as outras.

A principal característica do Estado laico é a separação entre os poderes civis e religiosos. Esta separação, historicamente, foi uma conquista da Igreja católica. O Estado laico, como o conhecemos hoje, está na base das ideias liberais e teve duas concepções: a dos Pais fundadores dos EUA e a dos jacobinos franceses. A primeira preconiza a neutralidade do Estado diante da religião, garantindo a liberdade religiosa; a segunda, pretende eliminar, restringir e/ou controlar as práticas religiosas. 

A França tornou-se um Estado laico após a Revolução de 1789. Mas, ao contrário dos EUA - principalmente pelas diferenças marcantes da evolução histórica da religião e de suas interações sociais e políticas nos dois países -, o Estado procurou limitar, controlar e banir a religião, sobretudo o catolicismo. Com a Constituição Civil do Clero, procurou-se criar uma igreja estatal e transformar os sacerdotes em funcionários do governo. Aboliu-se as ordens religiosas sob o argumento de atentarem contra a liberdade individual. A religião era expulsa dos espaços públicos. A minoria aderiu. Quem não aderiu acabou no exílio ou na guilhotina. O modelo jacobino de Estado laico espalhou-se pela Europa e América, tendo como agente propagador as lojas maçônicas. 

A medida que as revoluções liberais saíam vencedoras nos países do Ocidente, o Estado se laicizava e tomava a França revolucionária por modelo. Assim aconteceu na Itália unificada sob Vitorio Emanuel II, nas repúblicas portuguesa e espanhola (sobretudo na Segunda República) e em alguns países da América Latina, com especial violência no México após a revolução de 1917. O Estado, então, passava a controlar a religião através de agentes públicos, limitando o número de membros do clero, eliminando sinais e celebrações religiosas em espaços públicos, proibindo o uso dos trajes eclesiásticos, abolindo o domingo e feriados religiosos. O Estado laico sadio e tolerável como vemos hoje na Europa e na América é fruto da resistência católica. Não aceitando submeter-se ao Estado, lutando pela sua liberdade e seus direitos - em alguns casos, de arma em punho, como fizeram os cristeros no México - e usando as vias diplomáticas e políticas, os católicos conseguiram colocar os Estados laicos em seus devidos lugares e garantir liberdade religiosa e de culto para todos, inclusive para aqueles que colaboraram com a tentativa estatal de eliminar a Igreja católica ou nada fizeram, esperando a hora de avançar sobre os despojos católicos. Com o advento da República, o Brasil adotou o modelo norte-americano de Estado laico. Quando vemos ferrenhas defesas do Estado laico por parte de certos segmentos político-ideológicos, na verdade, o que defendem é a implantação do modelo jacobino.

Por trás da defesa do Estado laico se esconde, muitas vezes, a intenção de se implantar o ateísmo de Estado. Um Estado ateu abdica de sua neutralidade em assuntos religiosos e, por isso, deixa de ser laico. Passa a privilegiar o ateísmo promovendo-o através da propaganda e da educação estatais. Adota métodos coercitivos e violentos na erradicação de qualquer religião; proíbe as práticas religiosas, mesmo as privadas; estatiza-se templos, escolas e universidade confessionais; persegue-se líderes e fieis religiosos; atenta contra a liberdade de expressão e de consciência; enfim, a prática religiosa passa a ser um crime. Muitos Estados comunistas, como a Albânia, Coreia do Norte e Cuba, adotaram o ateísmo de Estado. Porém, mesmo naqueles Estados comunistas que não o adotaram oficialmente (como a URSS, por exemplo), pela própria natureza antirreligiosa e ateia do marxismo, promoveram o ateísmo e perseguiram implacavelmente a religião. Não por acaso o século XX foi o século dos mártires e milhões de pessoas foram mortas exclusivamente por causa da fé que professavam. Portanto, precisamos dar atenção às discussões sobre o Estado laico, principalmente nas campanhas eleitorais, e discernirmos se a defesa é de uma laicidade sadia ou há um ódio camuflado pela religião que pode transformar-se em perseguição ou limitação da liberdade religiosa.








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