27 de jul. de 2011

Golpe Militar de 1964 e o Perigo Comunista




O golpe (ou revolução, contrarrevolução, contra-golpe. O termo não importa tanto) de 1964 não é consenso entre os historiadores, talvez porque os atores deste processo histórico ainda estão vivos, as paixões ideológicas à flor da pele e, após a redemocratização, somente um lado - a esquerda - consegue (ou pode) dar sua versão. Defender o golpe de 1964 e criticar a esquerda armada é politicamente incorreto. Se havia um perigo comunista que ameaçava efetivamente o país é difícil saber. Se não existia, levaram os militares a acreditar que existia. Um dos sinais detectado foi a condecoração de Che Guevara por Jânio Quadros no ano de 1961. O que sabemos é que revoluções comunistas, após o sucesso na Rússia, em 1917, foram tentadas em diversos países, fracassando em muitos, como no próprio Brasil, em 1935 e saindo-se vitoriosa em outros, como na China (1949) e em Cuba (1959). O sonho da revolução jamais morreu, ao contrário, reacendeu depois da Revolução liderada por Fidel. O PCB era financiado por Moscou. Aliou-se a João Goulart, o que levava Luis Carlos Prestes, o mesmo que liderou a tentativa de golpe em 1935 e secretário-geral do PCB a afirmar: "Já temos o poder, basta-nos apenas tomar o governo" [1].

Jango propôs as Reformas de Base que tinham viés socialista, principalmente nas propostas de reforma rural e urbana, onde terras e imóveis seriam confiscados e pagos com títulos da dívida pública, o que necessitaria de mudanças constitucionais. João Goulart enviou ao Congresso, em 1963, uma proposta de emenda constitucional com este propósito, mas a emenda foi rejeitada, provocando fortes reações nos grupos de esquerda. O presidente estava cada vez mais isolado politicamente e resolveu usar a estratégia de falar diretamente às massas, apoiado pelas organizações de esquerda. Foi assim que aconteceu o primeiro comício na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, onde Jango discursou para 150.000 trabalhadores [2]. As Reformas de Base foram vistas como um programa vago, podendo ser habilmente dirigida à implantação do socialismo no Brasil por via constitucional. As tentativas de mudar a Constituição de 1946, levaram os militares a agir, já que esta previa que as Forças Armadas deveriam garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem (BRASIL, Constituição Federal, art. 177, 1946). [3]

[...] a imagem de João Goulart como um presidente frágil, indeciso e que procurava tenuemente equilibrar-se entre uma esquerda e uma direita radicais, entra em contradição frontal com depoimentos que atestam sua intenção, desde o primeiro dia após sua posse, de manobrar o Congresso para não só derrubar o parlamentarismo (com a antecipação do plebiscito, inicialmente marcado para coincidir com o fim de seu mandato), mas para ampliar sensivelmente o poder presidencial (Cf. COUTO, 1999, p. 32). Essa impressão, amplamente documentada tanto por seus opositores quanto até por seus aliados mais próximos, vem reforçada por denúncias que teria procurado apoio militar para depor a democracia em pelo menos duas ocasiões: em 1960, para afastar Juscelino da presidência e suspender as eleições que davam amplo favoritismo a Jânio Quadros, segundo denúncia de Armando Falcão (Cf. SILVA, 1978, p. 297); e em 1962, quando pressionava o Congresso a antecipar o plebiscito para restaurar o presidencialismo, como denunciou Chermont de Britto (Cf. COUTO, 1999, p. 52). [4]

Outro fator que assustou os militares e levou-os ao golpe foi a revolta dos marinheiros em 25 de março de 1964. Os marinheiros realizavam uma reunião da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, que era considerada ilegal. Na reunião, estavam presentes sindicalistas e Leonel Brizola, cunhado de João Goulart. O ministro da Marinha emitiu uma ordem de prisão contra os organizadores do evento que contava com dois mil marinheiros e fuzileiros navais. O pelotão com seu comandante designado para fazer a prisão aderiu à resistência. O presidente desautorizou o ministro da Marinha, proibindo as prisões e anistiou os revoltosos. [5] Deste modo, o presidente desrespeitou a hierarquia militar. O episódio demonstrou que parte das Forças Armadas poderia dar apoio militar a um possível golpe comunista.

Grupos da esquerda revolucionária, como o MRT e a ORM-POLOP foram fundados antes do golpe, em 1962 e 1961, respectivamente e a Frente de Mobilização Popular, liderada por Brizola, unificou todas as esquerdas: Comando Geral dos Trabalhadores, Ligas Camponesas, UNE, Ação Popular, a esquerda do Partido Socialista Brasileiro, a esquerda mais radical do PCB, os movimentos de sargentos e marinheiros. Brizola ainda organizou os Grupos de Onze, que propunha a luta armada ainda em 1963, e possuía uma cartilha com indicações como:

No terceiro capítulo, sobre a ação preliminar, os companheiros são instados a tentar conseguir o quanto antes armamentos para o "Momento Supremo". E a lista contempla desde espingardas a pistolas e metralhadoras. Com um lembrete: "Não esquecer os preciosos coquetéis Molotov e outros tipos de bombas incendiárias, até mesmo estopa e panos embebidos em óleo ou gasolina." A instrução reconhece a escassez de armas no movimento, mas conta com aliados militares (segundo o documento, "que possuímos em toda as Forças Armadas") e garante ter o apoio da população rural. "Os camponeses virão destruindo e queimando as plantações, engenhos, celeiros e armazéns." [6]

Em centros urbanos, a tática adotada será assumidamente a de guerra suja, com a utilização de escudos civis, principalmente mulheres e crianças. "Nas cidades, os companheiros [...] incitarão a opinião pública com gritos e frases patrióticas, procurando levantar a bandeira das mais sentidas reivindicações populares, devendo, para a vitória desta tática, atrair o maior número de mulheres e crianças para a frente da massa popular." Agitação é a palavra de ordem, com direito a depredação de estabelecimentos comerciais, saques e incêndios de edifícios públicos e de empresas particulares. Também estão incluídos ataques a centrais telefônicas, emissoras de rádio e TV. O objetivo? "Com as autoridades policiais e militares totalmente desorientadas, estaremos, nesse momento, a um passo da tomada efetiva do Poder-Nação." [7]

Continua Leonel Brizola: "No caso de derrota do nosso movimento, o que é improvável, mas não impossível [...] e esta é uma informação para uso somente de alguns companheiros de absoluta e máxima confiança, os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados, a fim de que não denunciem seus aprisionadores e não lutem, posteriormente, para sua condenação e destruição." [8]

Portanto, o argumento que os grupos de esquerda foram forçados à luta armada após 1964 não é verdadeiro. Eles já existiam e passaram a combater o regime porque não mais vislumbraram a possibilidade de atingir o poder através da via democrática, ou seja, do presidente João Goulart. Não é possível que de uma hora para outra este grupos que defendiam a implantação de um regime ditatorial de esquerda no país passaram a lutar pela democracia. Podemos ver que o risco de um golpe comunista existia e a sociedade pressentia, tanto que é claramente perceptível que o golpe civil-militar foi feito ás pressas, já que não possuía liderança e plano ideológico definidos.



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