O ano de 2012 marca duas décadas
do fim da União Soviética. Mais do que o final melancólico de um império, a
derrocada da URSS veio comprovar a ineficácia do marxismo, doutrina filosófica
que prometia a liberdade da classe trabalhadora, o fim das classes sociais e de
toda a opressão conseguidas através de uma revolução socioeconômica que
aprofundaria radicalmente a democracia. Porém, como foi visto, o socialismo
funcionava maravilhosamente bem no campo das ideias, mas, quando posto em
prática, causou as maiores desgraças humanitárias que a História já
testemunhou. No século XIX, o filósofo alemão Karl Marx previa que a revolução
do proletariado se daria em algum país altamente industrializado. Mais cedo ou
mais tarde iria acontecer nos EUA, na Alemanha ou na Inglaterra. Para surpresa
de todos – menos para Marx que já estava morto – a primeira revolução
socialista bem sucedida deu-se no Império Russo, país que ainda vivia sob o
regime monárquico e feudal. Era o ano de 1917. Enfim, Lênin, o grande líder da
revolução bolchevique proclamava a liberdade dos trabalhadores russos, o fim da
injustiça e a participação de todos nas decisões do Estado.
Após quatro anos de guerra civil,
finalmente é fundada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, reunindo a
Rússia com mais quinze países que já compunham o antigo império czarista.
Depois da Segunda Grande Guerra, os países do Leste europeu vizinhos à URSS
adotaram o socialismo, formando a chamada Cortina de Ferro. Foram criados os sovietes, pequenos grupos de
trabalhadores que tomavam decisões autônomas em âmbito local ou opinavam sobre
assuntos nacionais. Logo, o povo soviético percebeu que a tão sonhada liberdade
com a promessa de trabalhar quando e como quisesse, sem patrões e exploração
estava cada vez mais distante. Instalou-se no governo uma ditadura de partido
único; as decisões políticas passaram a ser tomadas por um grupo restrito de
burocratas do Partido Comunista; as leis tornaram-se rígidas como o chumbo.
Perverteu-se a ideia original: as instituições do Estado que serviam para a
promoção da libertação da classe trabalhadora, agora era usada para manter o
regime a qualquer custo.
A manutenção do regime socialista
tornou-se um fim em si mesmo. O Estado passa a perseguir àqueles a quem foi
prometida a liberdade. Instaura-se um regime totalitário que coloca a população
em estado de terror constante. O governo desconfia de tudo e de todos. Qualquer
movimentação é vista como suspeita e uma provável rebelião. As leis são inúmeras
e insuportáveis. É a perversão do Direito que existe exatamente para proteger
os mais fracos e não para que seus dispositivos sejam usados para amedrontar ou
ameaçar. A classe trabalhadora, até então protagonista da revolução, é
vitimada. Se já não há mais patrões, os trabalhadores passam a ser verdadeiros
escravos do Estado e a receberem ordens de meia dúzia de dirigentes do PC, que
ditam o que, quanto e como devem ser produzidos os produtos agrícolas e
industrializados. A liberdade desaparece sob um amontoado de regras e decretos
que sufoca a classe trabalhadora. O país se torna uma prisão levando muitos a fugir.
Os alimentos eram racionados e os salários congelados. Trabalha-se muito e
ganha-se pouco. As pessoas não possuem plena liberdade em explorar todo seu potencial.
Sufocadas, fogem para outros países levando consigo todo conhecimento adquirido.
A URSS começa a perder seus talentos o que a torna ineficiente em vários setores.
O totalitarismo invariavelmente
leva à clandestinidade. O povo pratica atos ilegais com maior freqüência (em
meio ao excesso de leis, torna-se impossível cumpri-las). Para se ter ideia do
que é considerado um ato ilegal na URSS, basta exemplificar que, tomar uma
coca-cola é um ato ilegal. É um círculo vicioso: o aumento da rigidez, leva à
clandestinidade, que leva a uma rigidez ainda maior. A população é posta sob
total vigilância, pois é preciso proteger o regime contra qualquer ameaça.
Todos desconfiam de todos. O vizinho ou o colega de trabalho pode ser um
espião, principalmente porque a forma do regime favorece o aparecimento de
pessoas que passam a se beneficiar do esquema e tirar vantagens do governo
delatando pequenos focos de resistência ou de oposição ao regime que podia,
assim, se antecipar a pretensos movimentos de greve ou de contestação, punindo-os
exemplarmente. Mais tarde, nem mesmo esses grupos de puxa-sacos e dedos-duros
escaparão à fúria do regime. E as punições são muitas e severas: campos de
concentração (chamados gentilmente de campos de reeducação, onde os
“reeducandos” recebiam treinamento de como servir melhor ao regime), trabalhos
forçados, castigos físicos, psicológicos e morais, o exílio, a pena de morte.
A promessa de bem-estar social
para os trabalhadores foi total e violentamente esquecida. As pessoas foram
esquecidas. Relegadas ao segundo plano, ficaram à mercê de um regime que as
usava para se auto-sustentar, onde trabalhavam para produzir para o Estado,
combater pelo Estado e quando adoeciam ou se tornavam incapazes ou quando
simplesmente o regime decidia, eram imediatamente substituídas ou eliminadas
como peças de uma máquina, sem levar em consideração qualquer aspecto de suas
vidas. O socialismo que era visto como a vitória do humanismo e da liberdade do
homem provou-se ser o oposto, ou seja, um agente de escravização e
desumanização.
Dessa forma, a sociedade
socialista que deveria ser o ápice da evolução de toda a humanidade durou
apenas 75 anos. Entrou em colapso quando o povo que vivia sob as bandeiras
vermelhas cansaram da opressão e tenderam – como tendem todas as pessoas – ao
direito natural à liberdade. Se os trabalhadores foram os protagonistas da
implantação do socialismo, também o foram do seu fim. Manifestações na
Tchecoslováquia e na Hungria agitaram o bloco socialista. Os trabalhadores do
sindicado Solidariedade, na Polônia, organizaram corajosamente as primeiras
greves. O Muro de Berlim é derrubado. Foi o início do fim. Quando o regime se
viu seriamente contestado, algo tinha que mudar. E mudou. O líder do governo
soviético Mikhail Gorbachev promoveu algumas reformas a fim de salvar o
comunismo. Mas não havia mais o que fazer. Era o fim da URSS.
Como todos os fatos históricos, a
experiência vivida na URSS e em todo o bloco socialista deixou-nos uma lição.
As leis servem às pessoas para que haja ordem e liberdade e para permitir que as pessoas deem o melhor de si e não o contrário. Não apenas nos países socialistas ou em regimes totalitários, mas também em
qualquer esfera de poder, na família, nas empresas que mantêm um sistema que
prioriza a si próprio ou os resultados ou o lucro em detrimento da pessoa
humana estão fadados ao fracasso.