23 de ago. de 2013

JMJ Rio 2013: lições para toda a vida

Na celebração da Acolhida do Papa em Copacabana, Francisco citou em sua homilia a passagem da transfiguração de Jesus. Realmente, foi bastante oportuna a escolha deste relato evangélico. Creio que era exatamente como no Tabor que a grande maioria dos peregrinos se sentia na JMJ.

Portanto, é a partir da reflexão deste trecho dos evangelhos que começo a descrever minhas impressões sobre a Jornada Mundial da Juventude ocorrida no Rio de Janeiro neste ano de 2013. A minha primeira forte experiência foi a notória catolicidade da Igreja. Estavam reunidos no Rio, católicos de 178 países diferentes, praticamente de todo o planeta. A variedade de nações era visível através das bandeiras, algumas, para mim, desconhecidas. É uma alegria ver que o evangelho de Cristo se estende, com menor ou maior intensidade, por toda a terra. O mandato de Cristo, aliás, o lema desta JMJ, “Ide e fazei discípulos meus entre todas as nações” era perceptível pela diversidade de rostos, de cores de pele e de línguas. 

Outra impressão foi a unicidade e unidade da Igreja. Como já foi dito, tínhamos no Rio peregrinos de todos os cantos do mundo. Todos recebemos um só batismo e professamos uma só fé. Todos formamos uma grande família, filhos de um mesmo Pai e todos possuímos um só Senhor, Jesus Cristo. Apesar das diferenças, todos fazemos parte do Corpo Místico de Cristo, a Igreja. E esta unicidade e unidade ficam evidentes com a presença da Cabeça visível da Igreja, o Papa. É o Papa o sinal visível da unidade católica. 

Foi uma semana em que pude tocar a Providência Divina. Não apenas aquela Providência distante que conduz toda a História, mas o cuidado que Deus tem com cada um de nós em particular. Apesar de ter ido sozinho para o Rio, sem conhecer exatamente a cidade, Deus sempre colocou as pessoas certas no lugar certo que puderam me ajudar. Foi assim, por exemplo, no trem ao encontrar-me com Bruno, um morador de Santa Cruz (bairro onde eu estava alojado). Sem saber ao certo como ir da estação de trem até a casa aonde eu estava alojado, Bruno se dispôs a me ajudar, pois a Kombi que ele pegava todo dia para voltar para a casa passava exatamente na rua que eu estava alojado. Aliás, os cariocas são bastante solícitos. A todos que pedi informação – pessoas na rua, cobradores de ônibus, guardas e policiais – foram atenciosos e educados. Houve até um caso em que eu estava consultando o mapa e um senhor ofereceu ajuda sem que eu pedisse. Foram pequenos gestos de solidariedade que eu não esquecerei e que me serviu de lição para o trato com o próximo. 

Foram dias em que senti a solidariedade cristã, principalmente dos mais pobres. Como costuma ser, os pobres são mais generosos. Foram eles, na maioria dos casos, que abriram as casas para alojar os peregrinos. E aqui, aproveito para agradecer a dona Fátima e sua família que me acolheram em sua casa. Não foram dias de conforto. Em muitos alojamentos faltou água quente. Dormir no chão, apenas com o saco de dormir e, na Vigília, a céu aberto numa noite fria, serviu para percebermos que há aqueles que não podem escolher dormir de outra forma, ou ainda, dormem todos os dias em situação ainda pior, sem um saco de dormir para manter a temperatura, sem um teto, sem segurança. Há aqueles que não podem tomar um banho, nem mesmo frio. Esta experiência não pode ser considerada apenas uma aventura e sim, após sentirmos na pele estas pequenas privações, levar-nos a refletir que há irmãos e irmãs nossos que não podem optar nem como nem onde dormem e passam dias sem tomar um banho digno ou fazer qualquer tipo de higiene. 

Foram dias de paz. Eram milhões de pessoas e em nenhum momento foi presenciado uma só agressão física ou verbal. Nenhum tumulto, mesmo quando o transporte público testava a virtude da paciência. Nenhum ato de vandalismo – destruição de lixeiras, de telefones públicos, carros amassados ou com a lataria riscada, etc – que os moradores de Copacabana dizem ser comum em eventos ocorridos no bairro. Havia respeito mútuo (um morador de Copacabana observou, do alto de seu apartamento, que não presenciou ninguém furando fila nos banheiros químicos ou nos restaurantes). Até mesmo a quantidade de lixo recolhido nas ruas foi menor do que em outros eventos. Interessante notar que os números da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro demonstram que o crime mais registrado foi o de furto, ainda assim menor que em outros eventos, mas nada de agressões, nada de bebedeiras, nada de drogas. Nenhum peregrino ferido. A violência ficou a cargo daqueles e daquelas manifestantes que consideram a religião um mal a ser extirpado. Nada disso deve soar estranho ou um fato em que devamos nos vangloriar. Foram pequenos testemunhos dados por nós, católicos, como servos inúteis que somos. Não fizemos nada além do que deveríamos ter feito. Porém, que toda esta experiência de convivência fraterna nos sirva de aprendizado. Uma jornalista, de uma mídia laica, citando alguns destes dados e presenciando a convivência pacífica de tantas pessoas, arrematou: “Não podia ser sempre assim?”

Foram dias maravilhosos e inesquecíveis. Dias de encontro com Deus em todas as ocasiões (porque Deus se revela a todo o momento. Basta estarmos atentos). Para mim, foi uma verdadeira peregrinação, um retiro espiritual. Pela manhã, a catequese, seguida pela Santa Missa celebrada pelo bispo catequista; depois, as visitas às igrejas; o sacramento da penitência recebido na Quinta da Boa Vista; os momentos de adoração ao Santíssimo; o lucro das indulgências. Uma semana retirado do mundo (apesar de, paradoxalmente, ter andado tanto pelas ruas movimentadas do Rio de Janeiro e em meio de milhares de pessoas), sem TV, sem internet, sem jornais, sem as distrações do mundo, despreocupado com as necessidades materiais, quase alienado, eu diria. Senhor, é bom estarmos aqui... 

Aqui retomo o relato da transfiguração. Os evangelhos nos contam que Jesus levou três de seus apóstolos – Pedro, Tiago e João – para o alto do monte Tabor e lá, diante deles, se transfigurou, revelando-lhes toda a sua glória. Pedro, tomando a palavra, afirmou que era bom estarem ali e queria preparar tendas para lá permanecerem. Após ouvirem a voz do Pai que declarava que Jesus era seu Filho eleito e ordenava que lhe escutassem, tudo voltou à normalidade. Enquanto tudo isso acontecia no alto do monte, na planície os outros apóstolos tentavam, em vão, libertar um menino de possessão demoníaca. Quando Jesus e os três apóstolos retornaram, o pai do menino explicou-lhes o que estava acontecendo. Após repreender a falta de fé de seus discípulos, Jesus expulsou o demônio. Poucas vezes se faz a ligação entre a transfiguração e a luta contra o demônio ocorridas ao mesmo tempo. Recordo-me que há uma obra de Rafael Sanzio que faz a conexão entre as sequências do evangelho que comumente aparecem separadas na liturgia. No quadro aparece Jesus transfigurado no monte enquanto lá embaixo os apóstolos tentam libertar o menino possesso. 

Pois é, a JMJ terminou e foi preciso voltar para a “planície”. Mas voltamos com a fé renovada como daqueles apóstolos que testemunharam antecipadamente a glória do Senhor. Se no Tabor os apóstolos tiveram um prelúdio da ressurreição, hoje sabemos que Ele está vivo e estará conosco até o fim dos tempos. Fortalecidos e confirmados na fé pelo Sucessor de Pedro, amparados por nossos irmãos e irmãs, tanto da Igreja militante, quanto – e, sobretudo – da Igreja triunfante e sob a proteção da Virgem Santíssima enfrentemos com toda a coragem a “planície”, onde ocorrem as batalhas cotidianas contra as forças do Mal, com a certeza que elas não podem nos submergir, pois Cristo está conosco, fazemos parte de Sua Igreja e o poder do mal não pode prevalecer sobre ela. Ouvimos a ordem do Senhor: “Ide e fazei discípulos meus entre todas as nações”. Não podemos ficar parados, olhando para cima, como os apóstolos na ocasião da Ascensão do Senhor. Temos que obedecer. Temos que ir, anunciando a todos a Boa Nova de Jesus Cristo, alargando as fronteiras do Reino de Deus que aonde chega expulsa todo mal. 




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