Provavelmente você não vai ler nem o livro, muito menos a pequena crítica que escrevi sobre ele. Caso for ler ambos, aviso que este artigo contém spoilers.
Acabei de ler o primeiro volume do livro O Colecionador de Lágrimas, de Augusto Cury. O autor é conhecidíssimo, vende livro que nem água, mas eu nunca tinha lido um livro dele. Apesar de não vir a tornar-se um clássico da literatura (longe disso), ter algumas passagens que pretendem ser profundas, mas beiram a cafonice e uma linguagem e uma narração um tanto de literatura juvenil, eu gostei do livro. É bom, prende a atenção.
Através do livro podemos conhecer um pouco o perfil psicológico de Hitler, seu modo de agir e da história do nazismo. O livro narra a vida de um psicólogo que se tornou professor de História e especializado no nazismo e na Segunda Guerra. Torna-se um grande intelectual. Passa a ter pesadelos realísticos vivenciando cenas de atrocidades cometidas pelos nazistas. Os fatos dos pesadelos tornam-se reais e ele passa a ser perseguido por nazistas, até que um grupo de cientistas e militares alemães o convidam para participar de uma experiência: viajar no tempo e mudar o rumo da História.
Particularmente, encontrei alguns furos na interpretação que o autor faz da história de Hitler e do nazismo. Por exemplo, Augusto Cury endossa o senso comum de que Hitler conquistou a Alemanha exclusivamente através da manipulação de massas e que suas ideias ganharam espaço por força da conjuntura socioeconômica que a Alemanha vivia. Esses foram elementos que contribuíram para a ascensão de Hitler, mas não foram os únicos. Parece que o autor tende excessivamente para o materialismo histórico, desconsidera o clima antissemita da Europa no século XIX e primeiras décadas do XX. Não leva em conta que a sociedade alemã respirava a filosofia do século XIX impregnada de ideias que embasaram o nazismo. Enfim, faltou um pouco de Hannah Arendt, que, de fato, não aparece nas referências bibliográficas no fim do livro.
O personagem levanta vários pontos da História que, se mudados, poderiam evitar as atrocidades do nazismo, sem que fosse preciso eliminar fisicamente a Hitler. Um deles é convencer a Polônia a entregar Danzig. O autor está convencido de que a entrega da cidade polonesa que divide a Prússia, poderia evitar a invasão da Polônia e, consequentemente, a guerra. Ledo engano. O autor não leva em conta o pangermanismo, nem as pretensões expansionistas de Hitler para alcançar o “espaço vital” para os alemães. Além disso, Hitler já tinha anexado a Áustria e os Sudetos (na Tchecoslováquia) com a anuência das grandes potências europeias, sem que isto tivesse aplacado sua sede expansionista.
Outro ponto. Cury cita o apoio de igrejas alemãs a Hitler. É verdade, infelizmente. Foi criada a Igreja do Reich formada pela maioria das igrejas protestantes. Em oposição, protestantes contrários ao nazismo criaram a Igreja Confessante. Vale fazer justiça ao episcopado católico, que em conjunto abominava o nazismo e o clero possuía poucos admiradores do regime. Mas o autor foca-se apenas nos cristãos, generaliza, e esquece-se de citar o apoio explícito de Amin al-Husseini, o Grão-Mufti de Jerusalém, ao regime de Hitler.
Para terminar, há um trecho do livro em que um dos cientistas que faz parte do projeto de viagem no tempo mostra ao professor vários artigos de civilizações antigas coletados por um comerciante que viajou no tempo por diversas épocas e povos. Diz que foram realizados testes de carbono 14 e ficou comprovada a antiguidade das peças. Aqui comete-se um equívoco (ainda que seja uma ficção): se os artigos foram trazidos diretamente da Antiguidade, não poderiam ser datados por testes de carbono 14, já que o carbono se deteriora lentamente e é o nível de deterioração que possibilita sua datação. Os artigos não “envelheceram” e, portanto, as taxas de carbono 14 teriam que ser exatamente as mesmas do período que foram fabricados. Além disso, o teste de carbono 14 só pode ser realizado em materiais orgânicos, como tecidos, por exemplo.
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