8 de abr. de 2013

Não à teocracia!



O deputado pastor Marco Feliciano ainda rende assunto. Ocorreu até um manifesto de artistas contra o deputado. Alguém viu protesto de artistas contra os condenados do mensalão? Pelo contrário, houve até manifestações de apoio.

Mas é sempre assim. Basta algum elemento religioso se destacar no ambiente político para que os defensores do Estado laico venham com palavras de ordem que, na verdade, demonstram que não sabem exatamente o que defendem, fazendo verdadeiras misturebas na concepção do Estado e na relação entre este e a religião. Uma destas palavras de ordem que vi várias vezes é: NÃO À TEOCRACIA!

De partida já posso afirmar que, no mundo atual, não existe nenhum regime teocrático em vigor. O Egito Antigo era teocrático, pois o Faraó era a encarnação do deus sol; o Império Romano, em seu período decadente, tornou-se uma teocracia. A China Imperial era uma teocracia. O último regime teocrático, de fato, foi o do Império do Japão e acabou com a desdivinização do imperador após a Segunda Guerra. Portanto, para um regime ser considerado uma teocracia, é necessário que o governante encarne uma divindade. O Tibete não era uma teocracia. O Vaticano e o Irã também não são. Ser governado por um líder religioso ou sob leis religiosas não faz do Estado uma teocracia, assim como ser governado por um militar não faz com que o Estado viva sob um regime militar. Ninguém com o mínimo de conhecimento poderia afirmar que, por exemplo, o governo regencial do padre Diogo Feijó fez do Brasil uma teocracia.

O termo “teocracia” é usado comumente para designar regimes baseados em leis religiosas, como são alguns países islâmicos que adotam a Sharia; ou regimes absolutistas que não se submetem a nenhum poder moderador a não ser ao poder divino. Assim pretendiam os teóricos do Direito Divino dos reis. Mas, nestes caso, é um uso inexato do termo, assim como a utilização do termo “absolutista” para algumas monarquias ocidentais também o é. 

Estados governados por líderes religiosos, onde se confunde o poder religioso com o poder secular, como no caso do Irã dos aiatolás, são Estados clericais e não teocráticos. O fato de um país adotar uma religião oficial também não faz do Estado uma teocracia e sim um Estado confessional e não leva necessariamente à restrição da liberdade religiosa ou da democracia. A Inglaterra, a Islândia, a Noruega e a Dinamarca são exemplos de Estados confessionais e não consta que sejam países com algum atraso civilizacional ou antidemocráticos, muito pelo contrário (ainda que na Inglaterra um católico não pode tornar-se primeiro-ministro. Lembremos que Tony Blair renunciou ao se converter ao catolicismo).

Portanto, o simples fato de termos líderes religiosos ou leigos praticantes de alguma religião ocupando cargos em qualquer instância do governo não põe em risco nem o Estado laico, nem a democracia, pelo contrário, ao longo da História, muitas vezes foi a religião a única oponente do totalitarismo e dos impositores de pensamento único. Os presidentes norte-americanos fazem seu juramento de posse com a mão sobre a Bíblia e os Estados Unidos continuam laicos. Se levarmos em conta que no Ocidente nossas leis derivam em grande parte do Decálogo, podemos pô-las em xeque a todo momento reivindicando a laicidade do Estado, pervertendo, assim, toda a tradição jurídica de nossa sociedade. 

Regimes democráticos não mudam ao sabor de quem governa, nem restringem os direitos políticos dos cidadãos por eles serem líderes religiosos ou professarem alguma religião, nem atentam contra uma sadia laicidade ou contra a religiosidade do povo. Teocracias dependem de concepções profundas sobre a origem do poder e sobre a divindade e não do simples fato da existência de líderes religiosos ocupando cargos públicos. Percebe-se que a concepção de Estado é mais complexa do que pretendem as frases de efeito dos ativistas sem-noção.



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